quinta-feira, 25 de setembro de 2008

"Gigante de Uberaba"

Paleontólogos apresentam réplica de esqueleto do “gigante de Uberaba”
Por Vinicius Zepeda

Há 65 milhões de anos a Terra vivia um período de constantes alterações climáticas. Secas prolongadas, grandes inundações, planícies formadas pelo surgimento de rios efêmeros, intensa atividade de vulcões, terremotos, maremotos e outras catástrofes naturais eram comuns. Nesse cenário, vivia um animal de até 3,5 metros de altura, de 12 a 20 metros de comprimento e peso entre 12 e 16 toneladas. Ele habitava a região onde hoje fica a cidade de Uberaba, no Triângulo Mineiro. Apesar do tamanho, o bicho cultivava hábitos herbívoros, alimentando-se de plantas e da folhagem da copa das árvores. Batizado de Uberabatitan ribeiroi, ele foi o maior dinossauro já descoberto no Brasil.
A apresentação pública da reconstituição de seu esqueleto – realizada com o apoio da FAPERJ – ocorreu no dia 24 de setembro, na Casa da Ciência, em Botafogo, Zona Sul do Rio. O evento reuniu vários pesquisadores, dentre eles, o paleontólogo Ismar de Souza Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos responsáveis pela descoberta.
De pescoço e cauda longos, crânio pequeno, quatro patas semelhantes às de um elefante, o Uberabatitan ribeiroi pertenceu ao grupo dos titanossauros, que habitaram todos os continentes do planeta, com exceção da Antártica. Segundo Ismar Carvalho, além de ser o maior, o dinossauro foi o último dos dinossauros descobertos no Brasil. Isto porque ele viveu no final do período Cretáceo, ou seja, há cerca de 65 milhões de anos, época em que profundas alterações climáticas levaram à extinção de diversos animais no planeta, entre eles, os dinossauros. “A quantidade de fragmentos ósseos do Uberabatitan, o estado de conservação dos achados, as informações colhidas das vértebras do pescoço e o local da descoberta são tão ou até mais importantes que o dinossauro em si. Isso porque eles nos dão pistas dos hábitos e habitats de espécies animais já extintas, do meio ambiente e do clima da época. Entre estes animais, os titanossauros”, explica o paleontólogo.
O trabalho de campo que resultou na montagem do esqueleto do Uberabatitan ribeiroi reflete o tamanho do achado. A escavação encontrou 298 fragmentos ósseos, dos quais 198 foram identificados e 100 não identificados. Ao todo, foram retiradas 300 toneladas de rochas em três anos de árduo trabalho manual – entre os anos de 2004 e 2006 – feito por dez técnicos do Centro Paleontológico Price e do Museu dos Dinossauros, situado no bairro de Peirópolis, em Uberaba, Minas Gerais. “Foi a maior escavação para a retirada de um dinossauro já realizada no país. Dos fragmentos ósseos identificados, 37 serviram para a identificação da nova espécie”, acrescenta Ismar Carvalho.
A escavação do material foi realizada num trecho da BR-050, localizado a 30 quilômetros de Uberaba, num local conhecido como Serra da Galga. Os 198 fragmentos ósseos identificados serviram para identificar três dinossauros: um de grande porte (o Uberabatitan), um de médio porte e outro pequeno porte. “Trata-se da maior assembléia de morte de titanossauros já encontrada no Brasil. Nela podemos identificar um dinossauro terópode do tipo Abelisauroidea. Infelizmente, a quantidade de ossos achados não possibilitou identificar esta nova espécie”, explica o paleontólogo.
O cenário ambiental da época era de profundas alterações climáticas. Guardadas as devidas proporções, pode-se dizer que era algo semelhante ao que vivemos atualmente, com as catástrofes naturais decorrentes do aquecimento global.
A reconstituição do esqueleto foi realizada em dois anos e envolveu técnicas de modelagem digital, além de modelagem de réplicas dos fósseis originais empregando silicone como material. O trabalho envolveu a participação de 10 paleoartistas. “
O nome Uberabatitan significa “gigante de Uberaba” e o sobrenome ribeiroi é uma homenagem a Luiz Carlos Borges Ribeiro, responsável pelo Centro Paleontológico Price e Museu dos Dinossauros”, explica Ismar Carvalho. A identificação da nova espécie contou ainda com a participação do paleontólogo Leonardo Salgado, da Universidade Nacional de Comahue, de Buenos Aires, Argentina. A descoberta teve repercussão internacional e rendeu um artigo numa das mais importantes publicações científicas da área, a Palaeontology.
A realização de todo o trabalho que resultou na descoberta, reconstituição do esqueleto e exposição pública do achado contou com o patrocínio e apoio de diversas outras instituições além da FAPERJ. Entre elas, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price, Casa da Ciência da UFRJ, Instituto Virtual de Paleontologia da FAPERJ, entre outras.
A réplica do esqueleto do Uberabatitan ribeiroi e do dinossauro Abelisauroidea está aberta para visitação pública e gratuita na Casa da Ciência (Rua Lauro Müller, Nº 3, Botafogo, ao lado do Canecão) até o dia 24 de outubro, de segunda a sexta-feira, das 9 às 20h, sábados, domingos e feriados, das 10 às 20h. Mais informações e agendamento de visitas escolares pelo telefone: (21) 2542-7494.

http://www.faperj.br/boletim_interna.phtml?obj_id=4932

(divulgação)

Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - BDTD

A BDTD objetiva integrar, em um só portal, os sistemas de informação de teses e dissertações existentes no país, assim como disponibilizar em todo o mundo, via Internet, o catálogo nacional de teses e dissertações em texto integral, também acessível via Networked Digital Library of Theses and Dissertation (NDLTD).
O portal tem como proposta, além de disponibilizar gradativamente, para consulta ou download, a produção nacional de teses e dissertações, oferecer aos usuários produtos e serviços integrados capazes de proporcionar aumento significativo ao impacto de suas pesquisas.
Consulte os produtos e serviços. Acesse, conheça, participe. Cadastro gratuito.

Cadastro
http://bdtd. ibict.br/ index.php? option=com_ wrapper&Itemid=43

Acesso
http://bdtdj. ibict.br/ autenticar. jsp

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Seminário Internacional: A Função Social dos Museus Ibero-Americanos

De 20 a 23 de outubro, das 9h30 às 18h:Seminário Internacional "A Democratização da Memória: A Função Social dosMuseus Ibero-Americanos"
Anualmente o Museu Histórico Nacional - MHN com o apoio do Departamento de Museus e Centros Culturais do IPHAN e parceria com universidades, instituições culturais e de pesquisa, do Brasil e do exterior, realiza em outubro, mês de sua criação, um seminário internacional abordando temas das áreas das ciências humanas e sociais. Esse ano, o seminário, em parceria com o Departamento de Museu e Centros Culturais do IPHAN, tem como objetivo propiciar condições para o debatesobre questões relativas à representatividade e à preservação de heranças culturais em museus e para uma reflexão sobre os conflitos oriundos do desejo de democratização de memórias como um direito de todos.
Estão previstas as seguintes mesas redondas e conferências com os seguintes temas:
  • "Museu, memórias, história e nação"
  • "Museus e representações da Nação no pós-colonialismo"
  • "Batalhas no campo da memória e dos museus"
  • "Democratizaçã o do museu: memória e movimentos sociais"
  • "A nação imaginadae representada nos museus"
  • "Memória política e política da memória"
  • "Osentido das belas artes e a democratização dos museus"
  • "Desejos de memóriae desejos de poder"

Inscrições gratuitas: favor preencher a ficha e devolver ao Museu Histórico Nacional pelo e-mail mhn02@visualnet. com.br Vagas limitadas à capacidade do Auditório (180 lugares). Mais informações pelos telefones 21-25509220 ou 25509242.

MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, PRAÇA MARECHAL ÂNCORA, S/N CENTROPRÓXIMO À PRAÇA XV, RIO DE JANEIRO - RJ

www.museuhistoricon acional.com. br

Paulo Freire

Série O mestre do mundo na tela da TV Jornal
Publicado em 16.09.2008, às 21h21
Do JC OnLine http://jc.uol.com.br/subcanal.php?canal=417&pai=34

A série de reportagens especiais Paulo Freire: o mestre do mundo, exibida até esta sexta-feira (19), no TV Jornal notícias. As reportagens mostram como a obra do educador pernambucano influencia, até hoje, a educação brasileira.

“A escolha de Paulo Freire e do tema educação reflete a preocupação do TV Jornal notícias com os temas sociais mais relevantes para o nosso País e para o nosso Estado, como saúde, educação, segurança, emprego e direitos humanos”, explica o âncora do telejornal, Antônio Martins.
A série especial é a primeira pauta multimídia do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC): além da TV Jornal, o Jornal do Commercio (JC), a Rádio Jornal e o JC OnLine participam do projeto.
O TV Jornal notícias vai ao ar de segunda a sexta-feira, a partir das 18h50. Para assistir as matérias, clique nos links abaixo.

15 DE SETEMBRO A alfabetização que liberta, que transforma pessoas comuns em cidadãos. O método Paulo Freire veio para revolucionar o olhar sobre o oprimido

16 DE SETEMBRO A primeira experiência do método Paulo Freire aconteceu em 1963, na cidade de Angicos, no interior do Rio Grande do Norte.Trezentos trabalhadores rurais foram alfabetizados em 45 dias

17 DE SETEMBRO A alegria daqueles que descobrem as letras na maioridade: o sonho que ainda parece impossível para muitos brasileiros

18 DE SETEMBRO A experiência de alfabetização da Usina Catende, na zona da mata pernambucana, onde três mil trabalhadores foram alfabetizados pelo método Paulo Freire

19 DE SETEMBRO Para Paulo Freire, a educação profissional é uma saída para os brasileiros que não têm oportunidade de inserção no mundo do trabalho. A experiência do CEU, em São Paulo

(divulgação)

Série Encontros Especiais - São José dos Campos, SP


Seminário: A Cidade e A Política


sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Museu Internacional da Escravidão

Museu mostra como europeus se aproveitaram da escravidão.

Inaugurado em Liverpool no ano passado, Museu Internacional da Escravidão expõe os fundamentos econômicos que ajudam a entender a história. Acervo explica como o tráfico de escravos foi central para a Revolução Industrial. Por Maurício Hashizume.

Liverpool - Há uma expressão em Inglês que resume a "naturalidade" da dinâmica mercantil: business as usual, ou seja, um negócio comum, como outro qualquer. Pois é assim que o Museu Internacional da Escravidão retrata o comércio transatlântico de escravos, que vigorou dos séculos XVI ao XIX.
Inaugurado na famosa cidade dos Beatles em 23 de agosto de 2007 - por ocasião dos 200 anos do Ato pela Abolição do Comércio de Escravos -, o museu inglês expõe os fundamentos econômicos da escravidão. Cumpre, dessa maneira, os três principais objetivos a que se propõe: mostrar como milhões de africanos foram escravizados, evidenciar a participação crucial de Liverpool (e da Inglaterra como um todo) no processo, e enfatizar as conseqüências dessa exploração para as diferentes partes envolvidas.
Os conteúdos dos painéis que fazem parte do museu, localizado na revitalizada Albert Dock, servem de complemento ao (pouco) que se aprende sobre a escravidão nos bancos escolares do Brasil, uma ex-colônia de Portugal - nação que aliás sucumbiu justamente diante da ascensão inglesa.
São três seções montadas para os visitantes. A primeira busca mostrar um pouco da vida e da cultura da África Ocidental: com a reconstituição de parte de uma vila do povo Igbo e a exibição do artesanato, das manifestações culturais e dos conhecimentos tradicionais desta região da África. Nesse segmento inicial, os organizadores do museu priorizam a valorização da diversidade cultural do continente africano, definido como "berço das civilizações", do qual "todos nós somos descendentes".
Os alicerces econômicos do comércio transatlântico de escravos aparecem na segunda parte do museu, chamada de "passagem do meio". Depois de recuperar (e condenar) o pensamento racista adotado como justificativa para as intervenções coloniais ("superiores" em comparação com os nativos "bárbaros") por parte dos "conquistadores" europeus (primeiro portugueses e espanhóis, depois principalmente ingleses, franceses e holandeses), as placas e objetos históricos do acervo compõem uma desconstrução reveladora das transações triangulares entre Europa, África e América.
Liverpool foi a capital do comércio transatlântico de escravos africanos (Foto: Maurício Hashizume)Alma do negócioNunca foi segredo que o comércio transatlântico de escravos atendia uma demanda por mão-de-obra, pois as nações européias estavam interessadas em aumentar a produção de gêneros como açúcar, café, algodão e tabaco em território colonial para abastecer o crescente consumo europeu. Não havia braços suficientes nas próprias colônias, já que muitos nativos foram dizimados, fugiram ou ficaram doentes com as invasões dos "conquistadores".
A forma como essas operações de tráfico negreiro eram organizadas, no entanto, nunca mereceu explicação mais detida nos estudos da história brasileira. Os visitantes saem do museu com a noção concreta de que a comercialização de escravos se assemelhava a um investimento de alto risco, mas com possibilidades de retornos exponenciais - típico da ciranda financeira.
Era custosa e complexa a preparação de uma embarcação para esse fim. Mercadores convocavam parceiros (outros mercadores, banqueiros, políticos, fazendeiros e até pequenos "investidores") para formar um pool, uma espécie de consórcio para a repartição dos custos e riscos e, por conseguinte, para a viabilização do negócio. Registros dão conta de que a estruturação de apenas uma viagem em 1790 custou, por exemplo, £ 10 mil (libras esterlinas). Corrigido para valores atuais, esse "investimento" seria equivalente a £ 550 mil, ou melhor, cerca de R$ 1,8 milhão.
A participação de diversos interessados também facilitava outra providência essencial para o tráfico: a arrecadação de mercadorias necessárias para a "troca" por escravos africanos. Com mais pessoas envolvidas, ficava mais simples reunir produtos que interessavam aos "dominadores" da África que capturavam à força e vendiam escravos. Encontrar gente disposta a fazer parte desse tipo de empreitada não era tarefa muito complicada: segundo relato de um observador que vivia em Liverpool na época, praticamente todo homem da cidade era um mercador.
Além disso, existia uma estreita coincidência entre o poder político e a exploração do comércio de escravos. A própria Royal African Company inglesa, fundada em 1672 e ativa até 1750, deteve o monopólio do comércio de ouro e de escravos com os africanos até 1698. O principal comandante e maior acionista da empresa era James, irmão do rei e Duque de York.

Capital do tráfico negreiro
Mercadores de escravos como Thomas Golightly, que foi prefeito de Liverpool nos idos de 1720, reiteravam a conexão direta entre o pólo econômicos e a classe política. As docas da cidade foram inauguradas em 1715 e a Casa da Alfândega (Custom House) foi construída em 1722. Algumas das construções daquela época, como a estação da Great Western Railway (veja foto acima) encravada na região portuária, continuam até hoje em pé.
No final do século XVIII, Liverpool se tranformara na capital do comércio transatlântico de escravos. O escritor William Mathews, testemunha dos acontecimentos, assinalou uma adesão em bloco do povo da cidade ao tráfico escravagista, que satisfazia o "desejo indiscriminado de participar de negociações comerciais e ganhar dinheiro em todas as oportunidades".
As estimativas dão conta de que pelo menos 1,5 milhão de africanos tenham sido transportados da África para a América por embarcações que partiram de Liverpool. Esse contingente consiste em mais de 10% do total de escravos vendidos de que se tem conhecimento.
Um conjunto de fatores explica a dianteira assumida por Liverpool nesse quesito em comparação com outras cidades inglesas como Londres e Bristol. Cidade portuária, Liverpool é também um ponto de convergência de rios e canais. Roupas, armas de fogo, munições e ferro chegavam com preços relativamente baixos no burburinho do comércio local. Em suma, os mercadores de Liverpool baixaram custos, eram mais rápidos e mais flexíveis. Com o tempo, estreitaram relações com os vendedores de escravos do Oeste da África. Aproveitaram-se dessa proximidade para providenciar todos os produtos almejados por seus parceiros comerciais.

Base da Revolução Industrial
Ainda na seção intermediária da "passagem do meio", o Museu Internacional da Escravidão também dá nome aos bois quando trata dos beneficiados do tráfico negreiro. Algumas personalidades como Richard Watt, que fez fortuna explorando escravos na Jamaica e depois comprou uma mansão em Liverpool, são citadas nominalmente no acervo. Famílias milionárias tradicionais como os Gladstone também aparecem diretamente vinculadas à escravidão, assim como bancos importantes - Thomas Leyland, Heywoods (absorvido posteriormente pelo Barclays) e até o Banco da Inglaterra. O tráfico impulsionou ainda investimentos em outros setores, como na mineração, ligação que fica evidente no caso do empresário Richard Pennant, que redirecionou os lucros advindos do comércio escravagista pra construir um império com base na extração da ardósia (utilizada para diversos outros fins). Defensor incondicional da escravidão, ele foi o primeiro Barão de Penrhyn.
Os dados coletados não deixam dúvidas, portanto, que a escravidão esteve na base da Revolução Industrial. Com os benefícios econômicos decorrentes da exploração do modelo colonial, os ingleses puderam injetar recursos em setores estratégicos como a siderurgia, a extração de carvão mineral e a formação dos bancos. Concomitantemente, a mão-de-obra escrava propiciou o aumento de produção de gêneros como açúcar e algodão, atendendo à demanda do mercado interno europeu.
Essa conjunção de fatores contribuiu para o desenvolvimento da indústria têxtil e das bases da infra-estrutura produtiva (estradas, canais, etc.) na Inglaterra, nação soberana absoluta no comércio de escravos durante o século XVIII. Era o jogo de "ganha-ganha", em que os ingleses lucravam com a venda de escravos, com o comércio dos produtos por eles cultivados e ainda investiam em indústrias próprias e na estrutura necessária para garantir ainda mais acúmulo de riqueza no futuro.
O tráfico negreiro se estendeu por quatro séculos. Pelo menos 12 milhões de pessoas foram escravizadas. Dois terços dessa estimativa eram formados por homens com idade de 15 a 25 anos. Ou seja, as nações européias capturaram a mão-de-obra dos africanos em seu favor, fator que evidentemente se tornou um obstáculo para o desenvolvimento dos povos locais.
De quebra, armas de fogo e munições estavam entre os principais produtos que os europeus transportaram para os comerciantes da África em troca de escravos. A posse de armas de fogo era fundamental para a manutenção das atividades dos "mercadores" de escravos. Essa troca certamente ajudou a perpetuar os conflitos internos na África e está no pano de fundo da instabilidade política que marca o continente. Sem força de trabalho e "inundada" por um arsenal bélico, os povos africanos viram as possibilidades de desenvolvimento tolhidas. Uma declaração pinçada do acervo faz uma pertinente dupla constatação: a África ajudou a desenvolver a Europa e a Europa ajudou a não desenvolver a África. Esse tipo de relação extremamente desigual pode ser estendido, com as devidas adaptações, às colônias da América e da Ásia.

Rotina dos escravos
Elementos de sobra no museu relembram as condições enfrentadas pelos escravos. Desde a compilação de dados sobre três viagens realizadas pelos barcos Brooks, Bud e Rose - com a catalogação das respectivas durações dos trechos, da quantidade de alimentos consumidos e de quantos chegaram vivos às ilhas do Caribe - até a exibição de material audioviovisual replicando a viagem nos navios negreiros em telões. Em média, as viagens da África para o continente americano duravam cinco semanas.As pessoas eram obrigadas a ficar em espaços apertados, sem ar, nos "porões" das embarcações. Água para beber e comida eram limitadas.
Os homens eram separados das mulheres e das crianças. Alguns eram forçados a dançar para entreter a tripulação. Era freqüente o abuso sexual de mulheres. Traumas abatiam muitos dos escravizados. Alguns ficavam sem comer e revoltas explodiam em pelo menos uma de cada dez viagens da África para a América. Todas eram reprimidas com ferocidade. De acordo com um levantamento do British Privy Council de 1789, uma média de 12,5% dos escravos morria antes de chegar ao destino.
A troca de "donos" era comum. Escravos eram forçados a caminhar por longos trechos da costa africana até os locais de embarque para atravessar o Oceano Atlântico. Esqueletos empalados expostos nos fortes demonstravam o que aconteceria se alguém tentasse fugir. Mesmo com todas essas dificuldades, líderes resistiram. Como Tomba, líder do povo Baga no Guiné (1720), e Agaja Trudo, rei de Dahomey (1724-1726).
Uma das passagens mais trágicas do tráfico se deu com o navio Zong. A embarcação deixou a costa africana no dia 5 de março de 1781 com 440 escravos a bordo. Durante a viagem, 132 foram jogados ao mar e apenas 208 chegaram à ilha que hoje é a Jamaica. O grupo de "investidores" entrou na Corte Inglesa para cobrar £ 30 (libras esterlinas) por cada corpo jogado ao mar. A ação não resultou em ressarcimentos e o capitão Colingwood (acusado de assassinato) não foi condenado, mas a repercussão do caso foi péssima para os defensores do comércio de escravos.
Uma réplica de uma fazenda no sistema plantation foi montada no Museu Internacional da Escravidão. No modelo "Casa Grande e Senzala", os escravos enfrentavam vários tipos de violência. De todos os lados, vinham pressões para que os africanos se desvinculassem de suas identidades. Eram marcados com ferro quente e tratados como animais. Mesmo com tudo isso, não faltaram casos de resistência. O caso de Zumbi dos Palmares, liderança popular que desafiou escravocratas no Nordeste brasileiro, está registrado em Liverpool.

Mudança de postura
A partir do século XIX e na esteira da Revolução Industrial, a posição da Inglaterra mudou. Em 1807, o tráfico negreiro se tornou ilegal no país. Os ingleses passaram a pressionar pelo fim desse comércio, em resposta ao fortalecimento das mobilizações abolicionistas e especialmente de olho na conversão de escravos em potenciais consumidores de seus produtos industrializados. Liverpool passara de capital do comércio transatlântico de escravos para capital do algodão.Essa é a participação inglesa no tocante à história da escravidão mais frisada aos brasileiros. Em 1810, Portugal - que tinha transferido a Coroa para o Brasil em 1808 - e Inglaterra assinam o Tratado de Aliança e Amizade, no qual os ingleses já exigem restrições ao tráfico negreiro. Também por pressão da Inglaterra, Portugal concorda, durante o Congresso de Viena de 1815, em vetar o tráfico acima da Linha do Equador. Depois de desempenhar papel importante na independência do Brasil, os ingleses continuaram pressionando pela abolição. O Brasil acabou assinando um tratado com mais restrições nesse sentido em 1826 e, em 1831, promulgou lei que proíbe o comércio de escravos com outras nações da África.
Em 1833, o Parlamento aprovou a abolição da escravatura também na parte das Antilhas pertencente à Inglaterra, no Canadá e no Cabo da Boa Esperança (sul da África do Sul). Em 1845, o Parlamento inglês aprovou o Bill Aberdeen, que determinou o aprisionamento de embarcações utilizadas no tráfico de escravos. Entre 1808 e 1869, a Esquadra do Oeste africano da Real Marinha Inglesa desbaratou cerca de 1,6 mil navios negreiros e libertou cerca de 150 mil africanos. Mesmo assim, mais de um milhão de pessoas ainda foram escravizadas e transportadas durante o século XIX.
Entre os legados da escravidão (que estão na terceira e última seção do museu que já recebeu a visita de 302 mil pessoas), foram destacados nomes famosos de ruas de Liverpool que têm alguma relação com o comércio de escravos. A herança musical e a presença de uma comunidade negra em Liverpool ganharam espaço reservado nessa parte. Personalidades negras foram resgatadas e a influência do tráfico negreiro para o racismo existente até hoje está exposta com destaque.
Um memorial, construído pelo Babalaô Yoruba Orlale Kan Babaloa , presta homenagem aos ancestrais negros. E uma escultura feita a partir de sucata e objetos reciclados por jovens de Porto Príncipe, no Haiti, simboliza o déficit de liberdade, que não acabou com o fim da escravidão antiga. "As pessoas hoje não têm mais correntes em seus braços e suas pernas, mas ainda têm correntes em suas mentes. Quando não se tem comida ou moradia, não se vive livremente", disse um dos autores da peça.
Logo na entrada do Museu Internacional da Escravidão, há uma declaração do ex-escravo William Prescott, captada em 1937. "Eles vão lembrar que nós éramos vendidos, mas não que éramos fortes. Eles vão lembrar que éramos comprados, mas não que éramos corajosos". Em seguida, os organizadores do museu prometem: "Nós lembraremos. Essa história foi negligenciada por muita gente durante muito tempo".

Clique aqui para acessar o site do Museu Internacional da Escravidão
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